quinta-feira, 23 de julho de 2009

Nabos a doze {Conto}



Daniela acordou quando o despertador tocou, ainda tonta do sono tentava lembrar do sonho que tivera na noite anterior, em que tentava salvar o casal de passarinhos, enquanto o ninho caia.
- Que sonho mais estúpido – pensou - é o que acontece depois de uma semana de insônia.
Ela aproveitou o banho para se reanimar e criar coragem para enfrentar o dia. Escolheu uma roupa nova, passou um pouco de maquiagem para disfarçar as olheiras e ganhou a rua.
Um dia ensolarado e ar ainda fresco da manhã a saudavam. Desceu a rua irritada consigo mesma, pois esquecera os óculos de sol. Enquanto apertava os olhos sensíveis à luz pensava:
-Se a mente falha o corpo padece!
Pensou em tomar um café na praça da rua Nabos a doze e quem sabe pegar um Brick, afinal já tinha saído da cama. O café estava praticamente vazio, ela adorava a forma como as árvores escondiam o café à medida que a rua descia. Poucos casais com crianças freqüentavam o local, mas nesse dia havia um casal com um bebê de colo, calculou que deveria ter no máximo uns três meses de vida. Ela sentou, pediu seu café e a criança começou a chorar. Reparando no pedido do casal que acabava de ser posto á mesa, ela levantou e pediu o café pra viagem.

- Não quero começar meu dia com uma criança berrando - pensou.
Franziu a testa, pegou o copo no balcão, abriu a porta e quando se preparava para sair foi surpreendida por um esbarrão que fez o café cair na sua roupa. Sem ver com quem tinha esbarrado, solta um palavrão jogando o resto de café quente no chão.
- Mas que droga – limpando a blusa – você não enxerga não?
- Ah, me desculpe por favor. – dizia a voz masculina.
E ao levantar os olhos para saber quem era o causador daquela tragédia matinal, reconhece Leonardo.
Passaram-se duas semanas – pelo menos foi isso que Daniela percebeu – até que conseguisse pronunciar algo.
- Ah, oi Leo. Falou meio automático, e logo prestou atenção no que dizia.
- O que você ta fazendo aqui?
-Vejo que você continua a mesma – disse sorrindo.
- Ah claro, é fácil ficar de bom humor quando não se tem café quente na roupa – esbraveja.
- Acidentes acontecessem, e eu já pedi desculpas. Atônita, ela disfarça mostrando-se preocupada com a roupa.
- Venha, eu te devo um café – abrindo a porta .
- Pra jogar em mim?? Pergunta indignada.
- Não, esse vou deixar você tomar – diz ele abrindo um sorriso.
O tempo tinha passado, mas Daniela não tinha esquecido o que aquele sorriso fazia com ela. Levantou o olhar e entrou no café.

O de sempre? Perguntou Leonardo. E ela pensou se dizia que sim ou pedia outro café só para ele pensar que ela estava diferente, querendo parecer misteriosa.
- Não, quero um expresso – disse ao se encaminhar ao banheiro.
O banheiro era limpo e decorado, bem diferente dos Cafés do bairro. Havia um balcão de mármore junto a pia, onde ficava um vaso cheio de diferentes tipos de grãos de café formando ondas paralelas, acompanhado de um outro, um pouco menor, fazendo seu par na decoração. As paredes pintadas na cor Terra, e as portas que davam para privada eram pretas. Assim que entrou Daniela procurou a privada, sentindo os lábios dormentes, a boca salivando, segurou seus cabelos entregando-se á
Náusea – o que digo agora?- perguntava a si mesma. Levantou-se em direção a pia, limpou a manga da blusa, umedeceu os rosto, ajeitou os cabelos, apertou as maçãs do rosto com os dedos para disfarçar a palidez. Não há mais nada a fazer a não ser sair daqui - pensou lembrando que já tinha vivido esse momento várias vezes na sua mente, imaginado como seria encontrá-lo novamente, e uma crise de ansiedade, e náuseas não faziam parte dela. Ficou ereta olhando para seu reflexo no espelho e disse baixinho:
- Ok Daneila, agora vai lá e seja indiferente.Você está bem, linda e segura! Mas não estava. As pernas estavam trêmulas e as mãos frias. Já se passara dois anos desde a última vez que se viram, nada de ligações e-mails ou MSN, ela tinha excluído e deletado de vez ele da sua vida. Bilhetes e livros que ganhou foram para o lixo ou para um Sebo qualquer. E foram dois meses só de festas e diversão, não ficava em casa uma só noite, sempre tinha algum lugar para ir. Mas o tempo foi passando e as saídas reduzidas, até se acabarem por completo. Ela dedicava seus dias somente ao trabalho, que detestava, mas que não a deixava pensar em mais nada, e a faculdade á noite. O resto do tempo ficava lendo qualquer coisa que caísse em suas mãos, e fazia visitas breves aos amigos.

Procurava dessa maneira proteger-se de qualquer relacionamento amoroso, ou de qualquer envolvimento mais complexo. Teve um ou dois casos breves e superficiais. E tanto dizia a si mesma que assim estava bem, que assim estava feliz, que um dia acabou se convencendo disso.E viveu bem esse tempo todo. Contudo, ao rever Leonardo parecia que não havia passado um único dia desde que ele foi até sua casa dizendo que não a amava mais. Ela ainda podia ouvir o som do seu coração partindo.
Respirou fundo e abriu a porta. Ele a esperava no balcão e ela pode vê-lo melhor. Os mesmos velhos hábitos, a calça desfiada na bainha, um All Star e um pulôver preto sem marca aparente.
-Sempre discreto –pensou enquanto se encaminhava para o balcão e ele a recebeu com um sorriso.
- Tudo bem? Perguntou ele.
- Tá sim. Maldito sorriso – pensou. Tudo bem. A criança ainda chorava e mãe tentava em vão acalmar o bebê.
- Vamos sair daqui. Disse ele indo em direção a porta levando consigo os dois copos de café. Daniela se dirigiu em silêncio para a rua. Já na calçada ela pegou o copo da mão dele e sem olhar perguntou aonde ele ia com tanta pressa.
- Eu não estava com pressa, na verdade foi você que esbarrou em mim.
- Física.
- Física?
- É, lembra do colégio? Colisões inelásticas ou elásticas sei lá, era aquela em que os corpos batiam e voltam na mesma velocidade.
- Nem lembro mais como se soma – disse rindo.

Ela reparava cada gesto que ele fazia. A maneira com que ele colocava a mão no bolso e balançava-se sobre os pés, o jeito que bebia o café apertando os lábios a cada gole. Tudo tão estranhamente familiar, tão comum, ele continuava o mesmo de antes.
- Você tá linda Dani!
-Obrigada! Respondeu entre um gole e outro.
- Você ta morando por aqui agora?
- Estou sim – disse ela olhando para as folhas que caiam das árvores na praça em frente, que anunciavam que o inverno logo chegaria. – Umas quatro quadras daqui.
E de repente recordou-se do sonho que tivera, e que no final não havia conseguido salvar os pássaros. Ela voltou seu olhar para ele e notou um sorriso meio bobo, um olhar meio carente.
-Bem, eu já vou indo. Bom te ver de novo Leo! Disse isso e já virou seu corpo para subir a rua quando ouviu ele chamar.
-Dani, espera!!
-Oi!
-Eu posso te ligar?
Virou-se para ele e deu mais uma olhada.
-Pode sim! Disse com um leve gesto de adeus seguindo seu caminho.
-Mas eu não tenho seu número novo.
Ela sorriu e sem olhar para traz disse:
- Eu sei.
Todo mundo deveria ter um amor mal resolvido, pensou ela ao dobrar a rua.


(14/04/08)

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